Miguel Reale publicou este artigo em 1966, logo após o golpe militar Brasileiro de 1964. Neste texto, o autor provoca o leitor para buscar uma fundamentação e justificativa de poder a nova ordem constitucional imposta pelo regime: A da sobreposição da constituição de 1946 pelos Atos Institucionais, onde através deles, a nova norma fundamental passa a ser seguida, dando poderes constituintes a um novo grupo diferente da Assembléia, chamado “Comando Supremo da Revolução”.
Esse fato resolve o problema de uma normalidade formal constitucional mas não consegue resolver o problema da normalidade constitucional in concreto, o que em sua análise só é possível através da auto-afirmação de nossos valores próprios, enriquecendo os valores universais e nestes, nos inserindo com consciência plena de nossa autonomia cultural.
Reale se “afasta” do julgamento de mérito como KELSEN e traz a tona a nova idéia de poder constituinte instituído pelo regime que é diferente do adotado pela constituição de 1946, mas que se justifica como sendo legitimo, por representar os verdadeiros interesses da nação naquele dado momento histórico, revestindo-se dos valores necessários para tornar a revolução a verdadeira inspiradora da norma fundamental.
Sendo assim, apesar de o modelo de criação do novo modelo jurídico não ser a Assembléia Constituinte, é plenamente aceitável e justificável que se apresente os atos institucionais como normas hierarquicamente superiores a constituição de 1946 (por serem normas disciplinadoras de um novo poder constituinte) e ao mesmo tempo normas complementadores ao “vazio legal” que a agora velha constituição tem perante aos anseios daquele período revolucionário, haja vista sua temporalidade e extraordinariedade necessária para a legitimação do próprio regime na sociedade.
Para justificar tal preceito, Reale afirma a necessidade de se caracterizar as relações existentes entre Revolução e o Direito. Para ele Revolução é a ruptura da ordem jurídica e o Direito é a tentativa de adaptar esta nova ordem política ao Sistema, jamais se deixando confundir as duas concepções para que o direito não atrapalhe a vontade da nação de instalar uma nova ordem que defenda o país “dos esquerdistas, reacionários e subversivos”.
O que fica difícil mensurar é como definir os “reais interesses da nação” num dado momento histórico sem passar por uma ampla e irrestrita consulta democrática de instalação de representantes do povo para a confecção de um novo regime, haja vista que só ele, O Povo, é quem pode definir os interesses de sua própria Nação.
Para desconstruir esta idéia, sem fugir da linha doutrinária acadêmico-positivista, Ferreira Filho afirma que num momento revolucionário, o direito também se torna revolucionário e “assume uma posição de Revolução Jurídica que seria a modificação anormal da ordem jurídica e a alteração contra a normalidade por ela própria prevista.”
Não é possível achar que o direito nada tem a ver com a realidade dos fatos, e nada deve intervir para defender que os trâmites que garantem o Estado democrático, sejam garantidos.
Reale naquela época ainda não era defensor do Estado democrático de Direito. Talvez morreu preferindo o Estado de Direito do que o Democrático. Imaginar isso é a única forma que se tem para aceitar que
“ Não se pode excluir a hipótese de revoluções que se legitimem a posteriori, procurando , após o emprego material da força, interpretar aquilo que fora apenas vagamente intuído no instante decisivo da fratura do primitivo ordenamento constitucional.”
Sob essa máxima e apoiado em Kelsen, Reale afirma que não cabe ao jurista entrar na análise ético-política do fato originário da legalidade dos Atos institucionais e de seu poder constituinte.
Para ele, a Revolução em si rompe com a ordem jurídica e cria uma nova norma fundamental para guiar todo o processo de formação jurídica desse novo regime a um tal ponto em que é possível inclusive modificar a emanação do poder constituinte da Assembléia eleita pelo povo, e colocá-lo na mão de novos atores, tal como o Comando Supremo da Revolução e dos Atos Institucionais por ele editados, afim de garantir a legitimação da revolução necessária para aquele dado momento do país.
Tudo isso tem como objetivo resolver o problema enfrentado pelo País com a implantação do “Regime Civil-Militar” de normalidade constitucional jurídico-formal.
Entretanto, há que se perguntar como fazer para resolvermos os efeitos da normalidade constitucional em sua concretude? Qual a relação entre a Revolução (Fenômeno Social) e o Poder Constituinte?
Reale não nos dá a resposta, mas faz alguns apontamentos importantes para aquele dado momento histórico em que o Brasil estava vivendo o estopim de décadas de luta por uma identidade, organização federativa, ideologia dominante e concepção de poder.
Afirma que é preciso resolver nosso pacto federativo, definir qual é a intensidade da centralização da União e da autonomia dos federados, buscar a necessidade de fortalecermos os partidos políticos de forma a termos uma política cada vez mais ideológica e comprometida com projetos coletivos em detrimento de “currais”, entre outros.
Assim, apesar de não afirmar taxativamente, é possível interpretar Reale, na tentativa de demonstrar que só a normalidade constitucional formal não é suficiente para desenvolver um país que se comprometa com um processo revolucionário de ruptura ao passado e olhar para o futuro. Pelo contrário, é preciso buscar e desenvolver mecanismos de eficácia social dos dispositivos legais para assim garantir a legitimação do próprio regime como sendo o “real interesse da nação”.
Posição parecida com a de HABERMAS quando afirma não ser possível a facticidade do discurso valido, se o mesmo não consegue ser eficaz socialmente.
É inimaginável pensar numa revolução que veio para garantir os interesses reais de uma nação, querer expressar estes interesses através de outros mecanismos que não respeitem o modelo constitucional vigente (se for reformista) ou ao menos o Estado Democrático de direito e a sua real necessidade de chamamento do povo para formular sua nova norma fundamental e assembléia constituinte.
Por fim gostaria de elencar o grau de intensidade das revoluções, definidas pelo Professor Ferreira Filho para que assim possamos identificar através de uma metástase individual, a que nível e apoiado em quais valores o processo de revolução ditatorial civil-militar instalada no país em março de 1964 conseguiu chegar e atingir para que assim possamos perceber o quão necessário é importante garantir a normalidade constitucional in concreto e não a meramente formal que carece de eficácia ético-social, provocando apenas um atraso e um desrespeito a humanidade e a seus direitos fundamentais.
Grau de intensidade das revoluções:
1º é aquele em que há a mera substituição da elite dirigente Ex: Brasil – substituição do presidente da república em 1954 |
2º Substituição das regras do jogo político, mas não ocorre mudança da elite dirigente. |
3º Há mudanças das regras e da elite dirigente. |
4º Traz transformação social e política profunda. Muda-se as regras do jogo político, a elite dirigente, a escala de valores hierárquica, as relações entre os grupos sociais e as relações internacionais. Ex: Revolução Mexicana, Inglesa, Russa. |
5º É a mudança de civilização. Essas revoluções introduzem uma ruptura entre o passado e o futuro, em todos os níveis, em todos os domínios. Ex: Revolução Chinesa, Revolução de MEIJI no Japão, Revolução Cubana. |
Pedro Teixeira
Um comentário:
Gostei do texto, eles traz elementos importantes pra reflexão constitucional!
Mas não me pareceu muito clara ou conclusiva a sua opinião acerca de qua teria sido o papel do pensamento de Miguel Reagle no Golpe Militar?
Mas é apena suma impressão, não uma crítica!
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