sexta-feira, 25 de março de 2011

O legado fiscal de Lula

Texto do Companheiro Lindbergh Faria publicado no site da CARTA MAIOR*



O legado fiscal de Lula

Em 2002, o investimento público realizado pelo governo foi de 1,3% do PIB. Em 2010, este número foi superior a 2,8%. Assim, a tese de que despesas de custeio impedem o investimento público é frágil. Além disso, FHC deixou para Lula uma taxa de juros Selic de 25%. Lula deixou para Dilma uma taxa de 10,25%. E a inflação, que em 2002 foi de 12,4%, caiu em 2010 para 5,9%.
Lula escreveu seu nome na história. Despediu-se da Presidência com índice de aprovação superior a 85%. Contudo, volta e meia, os conservadores tentam desconstituir a imagem de líder e governante do ex-presidente. Ultimamente, muitos têm atacado Lula afirmando que ele deixou uma herança fiscal maldita para Dilma.

Dizem que o quadro fiscal é preocupante, que Lula promoveu uma farra de gastos e que a herança deixada a Dilma inclui juros e inflação em alta, orçamento inchado com folha de pessoal e recursos escassos para a realização de investimentos. Este é um bom debate. Mas deve ser feito com base em números – e não na esfera da arenga política e ideológica. Os números disponibilizados pelo Banco Central, IBGE, Ipea e SIAFI são ricos de informações.

A relação dívida líquida/PIB é considerada como um dos indicadores de solidez da administração fiscal de um país. O FMI, quando o Brasil entrava e saía de crises, no período 1995-2002, impunha uma condição ao país para que pudesse receber seus empréstimos. O Brasil deveria reduzir a relação dívida/PIB para um patamar inferior a 50%. Naquela época, esta razão beirava os 60%. Lula entregou a Dilma esta relação no nível de 40,35% do PIB. 

O déficit público nominal que é a diferença entre a arrecadação e todas as despesas governamentais é outro elemento considerado muito importante para a análise da solidez fiscal. Um país para ser membro da Comunidade Européia, segundo o Tratado de Maastricht, deve ter um déficit nominal inferior a 3% do PIB. F.H.Cardoso deixou para Lula um déficit de 4,45% do PIB. Portanto, seríamos considerados excluídos da Comunidade se fossemos europeus. Lula entregou a Dilma um “país europeu” com déficit de 2,56% do PIB.

As despesas com encargos e pessoal de 2002 a 2010 se mantiveram estáveis, em torno de 4,5% do PIB. É óbvio que as despesas reais desse quesito cresceram. Estão estáveis em relação ao PIB porque o PIB cresceu – e com ele houve crescimento de empregos, da população e de suas necessidades. Portanto, a forma correta de analisar essa despesa é sua relação com o PIB. Houve, de fato, aumento de salários do funcionalismo público e contratação de milhares de servidores durante o governo do Presidente Lula. Foram contratados professores para os centros federais de tecnologia, os CEFET´s, para as universidades, policiais federais, fiscais, engenheiros e funcionários para atendimento nas agências do INSS – que, aliás, não têm mais filas.

Em 2002, o investimento público realizado pelo governo e as estatais federais foi de 1,3% do PIB. Em 2010, este número foi superior a 2,8% do PIB. Portanto, a tese de que despesas de custeio impedem o investimento público é frágil. Além disso, FHC deixou para Lula uma taxa de juros Selic de 25%. Lula deixou para Dilma uma taxa de 10,25%. E a inflação, que em 2002 foi de 12,4%, caiu em 2010 para 5,9%. Parte desta inflação é decorrente da elevação internacional de preços dos alimentos; e parte é decorrente de excesso de demanda em alguns setores. É para reduzir demandas setoriais que o governo promoverá neste ano de 2011 o corte de gasto público recentemente anunciado. O corte não decorre de um diagnóstico de crise fiscal. Será para desacelerar a economia, segundo as boas práticas keynesianas.

Este é parte do legado de Lula. Uma herança que sua sucessora só pode agradecer. Lula não pôde ter esse sentimento de gratidão em relação ao seu antecessor, que deixou um país em condições pouco favoráveis.

(*) Senador do PT-RJ.

sábado, 12 de março de 2011

Quem tem medo da Democracia no Brasil?

Post retirado do blog de Emir Sader
O Brasil saiu da ditadura política, mas as transformações estruturais que poderiam democratizar o país nos planos econômico, social e cultural, não foram realizadas. O governo Sarney representou essa frustração, essa redução da democratização aos marcos liberais da recomposição do Estado de direito e dos processos eleitorais.
Em seguida o país foi varrido pelas ondas neoliberais – com os governos de Collor, Itamar e FHC – sofrendo graves retrocessos no plano econômico – com a retração do Estado, com a abertura da economia, com as privatizações -, no plano social – com o retrocesso nas politicas sociais, com a expropriação de direitos da maioria, a começar pela carteira de trabalho –, no plano politico – com o poder do dinheiro corrompendo os processos eleitorais – e no plano cultural – com a consolidação dos grandes monopólios privados da mídia, que concentraram nas suas mãos a formação da opinião púbica.
Foi nesta década que esse processo começou a ser revertido e o Brasil pôde retomar seu processo de democratização. No plano econômico, com o Estado retomando seu papel de indutor do crescimento promovendo o acesso ao crédito a pequenas e médias empresas, com a expansão do mercado interno de consumo popular. No plano social, com a incorporação, pela primeira vez, das grandes maiorias de menor renda ao mercado de consumo e à possibilidade de ter formas de atividades econômicas rentáveis e sustentáveis. No plano político, quebrando o controle das elites mais atrasadas sobre as massas de regiões periféricas do país, com a participação nas politicas governamentais e nos processos eleitorais dos movimentos populares e dos setores até então marginalizados e subordinados politicamente. E no plano cultural, com alguns avanços, como a descentralização das publicidades governamentais, com o surgimento e fortalecimento de mídias alternativas – especialmente da internet -, assim como com um discurso que levanta a autoestima do país, quebra preconceitos em relação ao papel da mídia privada e de comportamentos egoístas da elite brasileira.
Mas as resistências não se fizeram esperar. As pressões para que o Brasil mantenha a taxa de juros mais alta do mundo, que atrai capital especulativo – que não cria nem riquezas, nem empregos, que ajudar a desequilibrar a balança comercial, entre tantos problemas – continuam fortes. Esse mecanismo impede a democratização econômica do país, porque concentra nas mãos do sistema financeiro a maior quantidade de recursos, com taxas de juros altas dificulta o acesso ao crédito, monopoliza recursos do Estado para o pagamento da dívida pública. O PAC é o grande instrumento de reconversão da hegemonia do capital especulativo para o capital produtivo, mas ele corre contra a atração da alta taxa de juros. A democratização econômica requer terminar com essa atração do capital, pela alta taxa de juros, para o setor financeiro.
A democratização social encontra obstáculos nos que se opõem à integração plena dos setores até aqui completamente marginalizados. A democratização social seus principais obstáculos nos que lutam para bloquear a expansão dos recursos para as politicas sociais que promovem os direitos de todos e nos preconceitos que continuam a ser difundidos contra os mais pobres e os habitantes das regiões até aqui marginalizadas do país.
A democratização política se choca com os que se opõem a uma reforma política que faça com que as campanhas se apoiem exclusivamente em financiamento publico e em votos por lista, que favorecem o fortalecimento ideológico e politico dos partidos. Mas encontra obstáculos também nos partidos e movimentos populares que não se dedicam a apoiar a organização dos setores que chegam agora a seus direitos econômicos e sociais básicos, seja os que estão integrados ao bolsa família, seja a cooperativas e pequenas empresas, seja a programas como os Pontos de Cultura e outros similares.
A democratização cultural significa que as distintas identidades do povo brasileiro possam construir seus próprios valores para orientar suas vidas, suas próprias formas de expressão cultural, possam ter acesso às múltiplas formas de cultura. Que possa se libertar dos modelos de consumismo importados e difundidos pela mídia comercial, pela publicidade massiva, pelos valores divulgados pelos representantes dos grandes monopólios.
Significa o direito de ter acesso livre e universal à internet, possa ter acesso à cultura como bem comum, que possa ter acesso a livros, a músicas, a pinturas, a peças de teatro, a filmes, a todas as formas de cultura e que tenha possibilidades de produzir suas próprias formas de expressão.

A democratização cultural enfrenta obstáculos na gigantesca máquina de interesses econômicos privados dos monopólios que dominam a mídia, o setor editorial, o audiovisual. Enfrenta ainda os setores mercantis que tentam dominar e controlar a livre produção e consumo culturais, as corporações que se apropriam dos recursos fundamentais das obras artísticas, incentivando ainda mais o poder econômico sobre a esfera cultural. Só mesmo um imenso processo de democratização da cultura poderá fazer do Brasil um país realmente independente, soberano, justo, plural.
Quem tem medo da democracia no Brasil? As elites, que fizeram do nosso país o mais desigual do mundo, e agora se ressentem da inclusão social dos que sempre foram postergados, discriminados, humilhados, ofendidos, marginalizados. São os que sempre tiveram todos os privilégios e acreditavam que o país era deles, que o Brasil era das elites brancas e ricas.
Quem tem medo da democratização tem medo dos trabalhadores, que produzem as riquezas do Brasil. Tem medo dos trabalhadores sem terra, que querem apenas acesso à terra no país com maior área cultivável no mundo, importa alimentos, mas mantem milhões de gente no campo sem acesso à terra. Tem medo dos jovens, que não leem jornais, mas leem e escrevem na internet, irreverentes, que lutam pela liberdade de expressão e de formas de viver, em todas as suas formas. Tem medo dos intelectuais críticos e independentes, que não tem medo do poder dos monopólios e da imprensa mercantil e suas chantagens. Tem medo dos artistas e da sua criatividade sem cânones dogmáticos e sem pensar no dinheirinho dos direitos de autor, mas na liberdade de expressão e na cultura como um bem comum. Tem medo dos nordestinos pobres, que como Lula, não se rendeu à pobreza e à discriminação e se tornou o presidente mais popular do Brasil. Tem medo de que todos eles queiram ser como o Lula.
Quem tem medo da democracia no Brasil tem saudade da ditadura, quando detinha o monopólio da palavra, conversavam e elogiavam os militares no poder, sem que ninguém pudesse contestá-los publicamente. Os que têm saudades do Brasil para poucos, da elite que cooptava intelectuais para governar em nome dela.
Quem não tem medo da democracia no Brasil não tem medo de nada, porque não tem medo do povo brasileiro.

quinta-feira, 10 de março de 2011

Tarso Genro: A democracia e a demonização da política


Confiram abaixo artigo do ex-Ministro da Justiça e atual Governador do Rio Grande do Sul, Tarso Genro, publicado pela Folha de S.Paulo:
A maior parte dos partidos políticos está desatenta ao fato de que é preciso propor novas formas de organização do Estado e de políticas públicas.
Novos sujeitos políticos estão surgindo no interior de um processo de desconstituição da política, que ocorre em escala mundial, após o fracasso das receitas neoliberais para a reforma do Estado.
Esses novos sujeitos florescem fora dos partidos, tanto nos regimes democráticos como nos países autoritários. Quem substitui os partidos, hoje, são as redes sociais, as organizações de defesa do direito das mulheres contra Berlusconi na Itália, os movimentos populares de jovens no Egito, os “banlieues” nas periferias de Paris.
Todos movimentos em rede, que não pedem licença aos partidos ou aos sindicatos. São designados pela mídia, equivocadamente, como “revoluções”, mas sem ideologia unitária. O que pedem são reformas, reconhecimento, oportunidades de trabalho, democracia e participação. São movimentos relativamente espontâneos, não contra a política, mas por outra política.
Todo o espontaneísmo é sadio quando se desdobra, em algum momento, em organização consciente.
Torna-se perigoso e contraproducente, em termos democráticos, quando permanece só fluindo, sem substituir o “velho” por nova ordem: a desesperança, nesse caso, pode redundar em salvacionismo ditatorial reciclado, gerando situação inclusive pior que a anterior.
É visível que existe, em grande parte da mídia, também uma campanha contra a política e os políticos, o que, no fundo, é, independentemente do objetivo de alguns jornalistas, também uma campanha contra a democracia.
Ela generaliza o desprezo aos políticos e ao Estado, principalmente àqueles que ainda preservam traços de defesa do antigo Estado de bem-estar. São sempre os partidos políticos, porém, os legatários que reorganizam a sociedade, seja para mais coesão e mais igualdade, seja para mais hierarquia, diferenças sociais e autoritarismo.
É verdade que poucos partidos têm compreendido a profundidade desses movimentos, permanecendo incapazes de apresentar alternativas novas. A maioria, na defesa de seus programas de governo, cinge-se a doses maiores ou menores de “liberalismo” ou “keynesianismo”.
Estão desatentos ao fato de que as relações culturais, científicas e econômicas globais mudaram tudo. E que hoje é preciso propor novas formas de organização do Estado, novos tipos de políticas públicas e também organizar um novo sistema de defesa da moral pública.
Mas “representação” e eleições, mal ou bem, sempre constituíram formas de resistência contra o domínio, sem limites, dos manipuladores do capital financeiro especulativo que controlam a vida pública das nações. Eleições e representação constituíram, sempre, “problemas” para os mentores das reformas neoliberais, que agora são os herdeiros políticos do seu fracasso.
O domínio da ideologia neoliberal, além de ter conseguido sua hegemonia a partir da ideia do “caminho único”, agora requer conclusões únicas sobre os efeitos da crise, para diluir as responsabilidades de quem a gerou. Desmoralizar a política, partidos e políticos ajuda a desmoralizar as críticas ao fracasso do seu modelo de sociedade.
Por isso, as frequentes campanhas genéricas contra o Estado e contra os políticos em geral têm sido duras. São campanhas não contra o Estado ausente, que dispensa políticas sociais. Nem contra os políticos corruptos, em especial. Mas uma campanha abrangente contra o Estado e contra a política.
As lições do Oriente e também da Europa servem para todos nós que, imbuídos do “desenvolvimentismo econômico e social”, defendemos que o Estado deve ser forte por ser transparente e acessível à participação popular. Jamais deve ser “fraco”, para ser obrigado a aplicar as receitas da redução impiedosa dos gastos sociais. E, depois, eleger a caridade privada como meio de compensar desigualdades brutais que o neoliberalismo nos legou.
TARSO GENRO é governador do Rio Grande do Sul pelo PT. Foi ministro da Justiça (2007-2010), ministro da Educação (2004-2005) e prefeito de Porto Alegre pelo PT (1993-1996 e 2001-2002).