sábado, 10 de março de 2012

A Universidade do Século XXI em crise- Perspectivas

*Pedro Teixeira


É importante antes de entender a crise do modelo universitário que chegamos, [re]construir o momento histórico de organização da Universidade.

O processo de conhecimento é uma das situações mais instigantes da mente humana. Desde o início de nossa existência, sempre buscamos obter informações, seja para adaptação e sobrevivência ao meio ambiente hostil ou para receber e enviar comunicação para consequentemente poder ter uma compreensão maior do nosso meio.

Todavia na Grécia, com o aparecimento dos ideais de aprendizado discipulado, com uma formulação constante da reflexão em verdadeiras salas de aula, sejam abertas como com Sócrates e Aristóteles, seja em Academias como a precursora Academia em Atenas organizada por Platão, que a Universidade começa a se ingestar. 

O mundo humano-social com tais inovações, progrediu em raciocínio, reflexão, tecnologias e filosofia como nunca antes. Tanto é assim que os modelos gregos foram parar em Roma e expandiu-se por todo o Império Romano.

Mas é na Idade Média com o Fortalecimento da Igreja Cristã como soberana entre homem e Estado que para centralizar essa soberania e aumentar sua hegemonia, a Igreja começa a organizar de maneira sistemática, um contingente de escolas para o clero que a partir de Tomás de Aquino, começam a proliferar o pensamento Escolástico.

Longe de entrar em minúcias sobre a ideologia de tais modelos de conhecimento, é a partir deste período na história que a Universidade moderna começa a tomar forma.

O aprendizado realizado em conventos, mosteiros e igrejas se proliferou por toda a Europa e já em 1150 a Universidade de Bolonha nascia com fins de dar acessos “universais” a seu clero e pupilos de financiadores da Igreja. O Cristianismo de Roma ascendido através do pensamento escolástico do desapego material e da criação de diversos instrumentos de controle virtual da mente humana, refutando os ideais gregos de matéria e metafísica, criou  um modelo de conhecimento que originou a catalogação da educação de forma a sistematizar o aprendizado para prolifera-lo ao senso comum de acordo com seus interesses. 

O aprendizado organizado em locais sistematizados e a abertura da educação para demais atores que não compunham o clero, contribuíram para a perda do  controle de conhecimento da igreja e para um  resgate crítico protagonizado pelos ideais  Iluministas do conhecimento pela razão material e não pela escolástica metafísica, sem no entanto, alterar a "pedagogia" do aprendizado.

Inúmeros Nobres e Monarcas incomodados com a usurpação do poder soberano dos pseudos-Estados em organização recente, resolveram organizar pensamentos culturais de disseminação de seus ideais frente ao controle político da religião na sociedade. Nasceram assim as Universidades de Sourbonne, Oxford, Milão e outras menores por toda a Europa.

A incessante necessidade dos Estados nacionais em desenvolver novas invenções e soluções para o mundo mercantilista burguês posterior, provocaram uma série de novas descobertas com relação a maneira de cognição e conhecimento humano. Surgiram  a lógica, a linguística, o pensamento sistemático e o processo mecânico.

Surgia-se com Descartes o racionalismo cientifico, o controle da Natureza através de conjuntos matemáticos que posteriormente pelas ideias de Locke e Hume, poderiam sob qualquer prisma, serem comprovados empiricamente.

Mas é em Newton que o mundo moderno e nossa concepção de Universidade moderna encontram seu maior expoente. Ao conceber o planeta como um conjunto de leis naturais universais,  Newton entendia a ciência como ferramenta para descobrir leis universais e enunciá-las de forma precisa e racional.

Neste momento a natureza humanista até então resistente mesmo após Idade Média, começou a dar lado para o positivismo lógico. O mundo natural de reflexão do homem em relação a si e sua natureza transcendental e material desenvolveu uma ruptura. O olhar para o todo, para a crítica natural, foi erroneamente taxado somente como religioso, irracional e aprisionador.

Dessa forma, ascendeu-se o pensamento da natureza-máquina onde qualquer acontecimento natural poderia se tornar matematicamente mecânico e reproduzível. O homem que até então desenvolvia seu conhecimento com vista na sua relação com o espaço-tempo e a natureza livre, começou a querer controlar o espaço tempo  e artificializa-lo em invenções de controle.

Em toda a história humana tivemos a vontade de reproduzir atividades naturais tais como voar como pássaros, “navegar” como peixes, caçar como os animais, se comunicar em massa como os morcegos e seus radares, os sonares marinhos e tantas outras qualidades naturais que cada animal desenvolvia em relação a natureza e que a própria natureza possui para sobreviver. 

Entretanto, com a redução do mundo natural ao mundo-máquina, o homem transmutou a ideia de criação, seletividade e reprodução natural para métodos de controle pré-definidos em que tudo ou boa parte, pode ser reproduzido mecanicamente.

Tais preceitos alavancaram a concepção liberal de constituição política e de desenvolvimento econômico, abrindo espaço para o mundo capitalista moderno. Com o neoliberalismo pós-crise do petróleo e sua exportação em massa protagonizada pelo consenso de Washington, a educação mundial deixou de se tornar um serviço essencial do Estado que a financiava, para se tornar um modelo financiado pelo capital privado, haja vista que o Estado deveria intervir minimamente.

Assim, expandimos como nunca antes as Universidades operacionais (Marilena Chauí, 2003) aquelas que se desenvolvem sob a ótica do consumo, da mera reprodução mecânica sem formação crítica, e para reserva de mercado. 

Ao reproduzir o mundo mecanicamente, a Universidade começou a desenvolver conhecimento com base no controle da informação e em direcionar pesquisas apenas para administrar o sistema vigente desenvolvendo soluções pontuais provocados pelo desfoque localizado da “especialização” cientifica.


A Universidade portanto, se tornou uma organização de adaptação social, de reprodução dum sistema líquido volátil, em movimento onde quem detém o conhecimento prévio da volatilidade, detém poder. Ao aprofundar esse modelo de educação, a Universidade ajudou também a proliferar a sociedade das incertezas, onde o motor da história ultra veloz transforma as incertezas em inseguranças.

Como se sabe, a insegurança causa paralisia, medo, estagnação. Ao promover a liquidez social e as incertezas das mudanças a todo instante, a Universidade perdeu seu papel de crítica e de afastamento da realidade vigente e já não consegue conceber seu papel democrático e plural como forma de conservar a crítica constantes a todos movimentos e a propor soluções universais alternativas novamente.

Ao invocar soluções mais pontuais e desfocadas, a Universidade contribui para o afastamento cada vez mais intenso da integração entre as ciências para a formulação de um plano completo.

É nesse cenário que o movimento Estudantil Nasce no Brasil. A década de 1960, sem dúvida serviu para a formulação de crítica ao modelo político adotado e foi substancial o papel de estudantes, intelectuais e acadêmicos da Universidade para esse movimento crítico.

Entretanto em nenhum momento a luta pela democratização política e do acesso ao conhecimento na realidade brasileira com a expansão da Universidade Pública para todo o Brasil e a defesa de uma educação gratuita que desde a ditadura, Darcy Ribeiro muito protagonizou, não serviu para garantir um ambiente acadêmico democrático e plural em que de fato as variadas matrizes ideológicas e sociais circulem livremente por nossos campi.

Pelo contrário, a proliferação das Universidades, vem reproduzindo cotidianamente a concentração de novos feudos sociais onde temos um contingente de suseranos e um número pequenino de Senhores que,  sejam em seus espaços acadêmicos, seja nos espaços administrativos, seja na manutenção de um poder fictício em entidades aparelhadas do movimento estudantil, atrasam um projeto de construção alternativo e de reavivamento da Universidade enquanto ferramenta social de crítica a modelos erroneamente postos e na construção de estratégias de desenvolvimento que solucionem os novos paradigmas que o capitalismo global do consumo ocasionou. 

Num mundo complexo do século XXI, em que o capitalismo atingiu seus mais extremados índices de implementação mundial, negar a necessidade de soluções coletivas em que a síntese dialética entre várias opiniões é condição sine qua non para o avanço de um modelo altermundista para um sistema em crise, é manter um modelo falido que apenas perpetuará lideranças administrativas do sistema que não irão apesar de possíveis discursos "raivosos", democratizar conhecimento e transformar o modelo anti-social vigente.

Ao proclamar-se a vanguarda social da Universidade, com respostas dogmáticas e unilaterais, a esquerda da Universidade em crise moderna, não consegue dialogar com o gigante contingente de novos atores incluídos, como a nova classe média brasileira que pelo meteórico acesso ao consumo, chega à Universidade reproduzindo conceitos e ideias do senso comum em que o patrimonialismo, o patriarcalismo, o neoliberalismo e as ideias separatistas protagonizada pela sociedade do consumo individual promovem.

O gigante contingente que teve acesso ao ensino superior nos últimos tempos, além de terminar seus anos de estudo apenas com o conhecimento técnico mecânico, sai da Universidade em sua maioria, sem aprender que tem direito à participação política, a intervenção social e a refletir criticamente os conceitos “[i]mutáveis” que a sociedade nos impõe.
  
O movimento Estudantil portanto, longe de separatismos ideológicos e de buscas por verdades absolutas na Era das incertezas, deve ter a sensibilidade ajustável de uma estratégia democrática e plural de participação social, de democratização de suas instâncias de deliberação, de se conectar com a virtualização massificada que a sociedade do “tempo real” nos impõe e se reinventar.

O movimento estudantil precisa se conectar com as novas juventudes que estão surgindo – as juventudes do terceiro setor, as juventudes dos PET’s, dos clubes do livro, do movimento festeiro e/ou de todo nicho e segmento que historicamente é desprestigiado pela “intelectualidade” cultural da esquerda que por conta disso, tem diminuído cada vez mais.

Na década do milênio, com o Sistema-mundo em crise, as receitas econômicas neoliberais sem soluções e com o Brasil desenvolvendo seu ideário de desenvolvimento e Estado-Nação num contexto latino-americano integrador, é fundamental para a Universidade e seus atores políticos começarem a se indagar onde vão querer sentar nesse trem-bala gigantesco e global que os Estados Nacionais se inseriram através do sistema econômico e que só poderá ser alterado de maneira conjunta com todos aqueles que os desenvolvem.


*Militante do Movimento Mudança e gestão @conectaufes do DCE-UFES